terça-feira, 18 de novembro de 2008

Desespero

Uma névoa no horizonte reflectia o ar poluído enquanto abria a janela. Senti a brisa penetrar as narinas e entrar no meu cérebro livre de pensamentos, um arrepio assustador tomou conta da minha alma. Acendi um cigarro e abri o whisky velho que estava perdido num armário por debaixo de todos os pacotes de café barato que roubei há uns meses de uma desconhecida. A névoa invadiu o meu quarto por entre o fumo do cigarro. Pousei o copo sujo de pecado e agarrei desesperado a fotografia dela. Apaguei o cigarro num cinzeiro coberto de beatas que contam a história de uma vida desleixada. Liguei o vinil e deixei-me cair no sofá, era o ritual diário de que tenta esquecer aquela moldura. Acabo o whisky, atiro o copo para o balcão e penso em todas as vezes que ela disse que me amava, palavras falsas cobertas de uma transparência semelhante ao ar que respiro no espaço apertado do meu quarto. Levantei-me combalido até à casa de banho enquanto o meu peito desfalecia perante a imagem do cabelo dela a ser tocado por alguém que não eu. Tomei banho de água gelada. A música fazia-me lembrar aquele por do sol em que deitados fizemos juras de amor. Eu fiz, ela mentiu. Não senti o frio da água, não sinto nada, só queria que ela também estivesse a sofrer, que lhe estivesse a doer o coração como a mim, que sentisse os pés dormentes, as mãos duras. Sequei-me indiferente. As lágrimas já não caem, perdi os sentimentos, perdi o calor que tinha quando ela me segurava o braço e o sorriso dela iluminava o meu universo. Era um sorriso que fazia o sangue correr nas minhas veias, um sorriso que agora já não é para mim. Estou no chão de joelhos. A janela continua aberta e a brisa faz com que os papéis em cima da minha secretária dancem ao som de uma música estranha que parece pedir que acabe com o meu sofrimento. Visto-me sem qualquer tipo de preocupação, desligo o vinil e saio pela porta num andar perdido, calmo, psicótico. Tenho de a ver.

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